Depois de um longo período, do tempo passado, do ocorrido transcorrido tantas e tantas vezes, por fim voltou-se novamente para o que mais lhe era precioso. O som das teclas sob os dedos ágeis, o toque desconhecido do outro dispositivo que não lhe era familiar, misturado a sensação clara e óbvia de que todos os teclados eram iguais em algum ponto. Reencontrando, em meio ao movimento do cotidiano que recomeça ao final da estação quente, um prazer oportuno, para aplacar o marasmo do sentimento da repetição.
Ela e suas pequenas histórias então.
Batidas pouco suaves, encadeadas como uma avalanche de ideias que jorram pelos seus dedos em direção ao papel. É a forma como ela constrói sua própria versão do céu. Assim, sem jeito e sem paraíso nenhum. Um mundo todo de mundos de histórias malucas que trespassam qualquer regularidade ou qualquer outra racionalidade.
Ainda assim.
Parece ser necessário, de algum modo. Parece ser inevitável de algum modo. As palavras poderiam ser tantas e ainda assim são exatamente estas palavras, construindo sentidos sem qualquer senso de direção. Indo e voltando para o mesmo lugar enquanto ocupa o lugar dos pensamentos com sensações e sentimentos que roubou do mundo para seus próprios devaneios exagerados.
Existe algum tipo de paixão sem explicação na forma em que ela segue martelando estas ou aquelas teclas. Constrói ficções que explicam uma realidade só sua. A alma atormentada é a fogueira que alimenta o conteúdo, vasto e perecível de qualquer boa análise. Encontra no chão quaisquer pedrinhas e faz delas as paredes dos seus sonhos vãos.
E ainda assim.
Só através do escrever encontra alguma motivação. Através do contar narrativo, em palavras, em traços, em sonhos, em sons e canções. Encontra apenas nas palavras mais ficcionais uma realidade só sua para compartilhar com o mundo. Envia seus pedidos tolos de amizade e de amor para qualquer lugar estéril que seus braços conseguem alcançar, enquanto dorme.
É, mesmo assim.
Jamais poderia ser de outra maneira. Palavra após palavra, jamais poderia ser assim. Encontrando e avaliando os pensamentos, coloca-se por inteiro em cada um dos milhões de caracteres que já fez decolar para os papéis de todas as naturezas que existem.
Foi embora do mundo em um momento único. Não voltou. Jamais existiu. Uma poesia sem rima e sem métrica que flui através da mente dormente de racionalidade. Voa para todos os lados e ainda assim encontra algo bem no centro, bem no fundo. Escondido sob todas as camadas de mundo e de sociedade.
Prefere esconder-se no alto de seus sonhos construídos sobre fragmentos de sensações e hipóteses. Do que encarar a realidade onde a luta para se fazer entender e ouvir é menor do que a luta para poder viver e existir em uma história real que esmaga todas as diferenças entre almas irmãs.
Foi pensamento apenas em criar-se que colocou suas palavras para fora, nas folhas de papel. Quase que uma hipnose bem sucedida em si mesma. Os pensamentos sonolentos descansam o pensar ansioso, dando espaço para que todas as irrealidades se tornem tangíveis aos seus dedos imaginários de nuvens azuis.
Como palavras.
Como palavras
Escreveu a si mesma em cada um dos seus personagens. Sofreu cada uma de suas dores. Apreciou cada um de seus prazeres físicos e emocionais. Viveu vidas que não eram a sua. Pois no fim tudo se resumia a isso, essa oportunidade de ser uma impostora perfeita de vidas imperfeitas em constante caminhar e sofrer. Não precisava viver em sua realidade limitada todas as possibilidades que desejava. Podia viver naqueles personagens, e viveria, e sempre voltaria para experimentar um pouco mais.
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